Livraria Trindade: aqui moram palavras raras
É na rua do Alecrim, em Lisboa, que habitam páginas que o tempo não desfaz, seja em livros, mapas, documentos ou gravuras antigas. Na livraria e antiquário J. Trindade, um negócio de família que nasceu em 1960, comanda hoje a terceira geração que trata os livros com a afeição que eles merecem.
A rua do Alecrim é das mais movimentadas do centro de Lisboa. Na artéria que liga a Praça Camões (no Chiado) ao Cais do Sodré, o cenário é sempre o mesmo: turistas que sobem e descem a calçada portuguesa à descoberta da capital, e um trânsito sempre sôfrego a compor o quadro desta rua íngreme da cidade.
É nos números 32-34 que encontramos um dos alfarrabistas mais antigos da cidade. «Antiguidades, livros e mapas - compra e venda». É este o slogan da livraria-alfarrabista João Trindade, bem visível da rua e por quem ali passa.
Por entre gravuras, documentos históricos, exemplares únicos e livros raros, aqui o visitante é levado a descobrir o prazer da leitura de outros tempos e a conhecer mais sobre estórias, personagens e lugares que são hoje difíceis de encontrar.
É António Trindade quem nos recebe. Filho do fundador, João Campos Trindade, é ele quem hoje se ocupa da livraria. «A loja ainda é do meu pai que está reformado», começa por explicar este antigo professor de Filosofia, que abandonou o Ensino, para se dedicar a tempo inteiro ao espaço.
«Os meus avós foram dos primeiros antiquários do país. Eu já sou a terceira geração a prolongar o negócio e acho isto fabuloso, aprende-se muito neste trabalho, e para quem gosta de livros como eu, isto e fantástico», revela, orgulhoso, acrescentando que a sua família «deve ser das poucas comerciantes em Portugal que se mantêm no activo desde os anos 40 do século XX».
A loja contempla espaços distintos: de livros e antiguidades. Na área dos livros, uma mesa central está repleta de exemplares antigos. Numa mesa de madeira antiga, vários livros, «ainda por arrumar», estão espalhados ao acaso. Numa ponta avistam-se “Os Pequenos Mundos” e “A volta ao mundo”, de Ferreira de Castro, no lado oposto “A História do Exército Português”, entre tantos outros.
As estantes dos vários armários estão todas ocupadas com obras raras e muito antigas, desde Antropologia, História, África, Brasil, Lisboa, Literatura, Poesia, Política e Sociologia. Mas há também espaço para edições únicas e esgotadas noutras editoras, sejam de arquitetura, arte, cinema ou até mesmo culinária.
«Acho que este é um ramo que tem potencial. O livro está a morrer um pouco. Cada vez há menos editoras e se alguém quiser fazer um trabalho científico ou estudar outro tipo de coisas é difícil hoje ter acesso às obras», lamenta António Trindade.
Admite que «este tipo de casas é das poucas alternativas que existem. Aqui reciclamos e tentamos selecionar os livros relevantes, também aconselhar investigadores que nos procuram. Aprende-se muito, é um mundo onde moram palavras raras e difíceis de encontrar. A internet, por outro lado não é, muitas vezes, segura, na procura da informação, nem tem o que algumas pessoas procuram. E nas livrarias comerciais já não é possível encontrar muita coisa. No fundo, aqui moram as palavras e as obras raras», diz António.
E nesta livraria há preços para todas as carteiras, desde um euro a obras que valem centenas de euros, pela sua «preciosidade».
Numa outra sala, António explora ainda o negócio das antiguidades, e à venda. Desde peças decorativas, pratas, candeeiros, relógios antigos, são várias as peças à disposição do público e que remontam a décadas passadas de arte.